Estágio em Moçambique

O projeto de intercâmbio, que visava apoiar educadores em Moçambique na criação de materiais de aprendizagem inclusivos e contextualizados para as primeiras classes do ensino primário (primeira a quarta classe), teve início em Leipzig, na Alemanha, com aulas sobre didáticas e oficinas pedagógicas. A segunda e principal fase ocorreu em Moçambique, iniciando-se em Maputo, para organização inicial do projeto ASA (focado na implementação de uma Lernwerkstatt, ou Oficina Pedagógica) e estabelecimento de contatos na Universidade Pedagógica.

A chegada em Nampula marcou o início dos trabalhos na Universidade Rovuma (Uni Rovuma), o ambiente de trabalho pelos três meses seguintes. Foi crucial a participação no Simpósio Brasil – Moçambique, onde foi estabelecido contato com Christiane Maia, líder do projeto „Ubuntu Educacional“, que ofereceu grande apoio e confirmou o estranhamento inicial percebido em relação à cultura local.

Os desafios estruturais e culturais em Moçambique foram imediatos. Estranhamentos iniciais incluíram a associação negativa de livros aos colonizadores portugueses, ligada ao fato de línguas nativas como o Xichangana e o emakhuwa serem majoritariamente faladas, não escritas. O ambiente institucional era marcado por hierarquias e formalidades paternalistas, como o costume de todos se levantarem na presença do vice-reitor, e um código de vestimenta estritamente formal, mesmo com o calor. A Uni Rovuma apresentava dificuldades como a falta de acesso à internet, atraso no salário dos trabalhadores e insuficiência de salas de aula e energia.

O projeto enfrentou desafios conceituais e logísticos. A tradução de Lernwerkstatt para „Oficina Pedagógica“ foi considerada inadequada. Logicamente, o espaço designado inicialmente, a sala QueProF, era inadequado por ser multiuso e ter acesso restrito. Houve também a necessidade de solicitar materiais recicláveis para a produção dos jogos, visto que não foi possível obter financiamento direto da Alemanha. O financiamento do projeto ASA também levantou questionamentos, pois foi observado que ele tende a dificultar a circulação de conhecimento entre África e Europa, beneficiando predominantemente o Norte Global.

As V Jornadas Científicas da Uni Rovuma foram importantes, permitindo à pesquisadora apresentar seu trabalho e, apesar da falta de energia, propor uma mesa redonda com órgãos pedagógicos. As visitas de observação em 4 escolas, essenciais para o projeto, revelaram uma profunda desigualdade educacional em Nampula. O CREI – Centro de Recursos de Educação Inclusiva Josina Machel serviu como uma referência positiva, com salas organizadas, uso de Língua de Sinais (LIBRAS) e materiais didáticos concretos e apropriados, reforçando a necessidade do projeto focar em materiais inclusivos.

A fase final do projeto concentrou-se no envolvimento dos estudantes de Pedagogia da Uni Rovuma, que participaram em induções e começaram a produção prática de materiais. Foram elaborados cerca de 15 materiais para Português e 15 para Matemática, incluindo o Jogo de Memória Alfabeto. O trabalho culminou na Exposição de Materiais Didático-Pedagógicos e na instalação provisória dos materiais na sala QueProF, com a sugestão de criar um catálogo para empréstimo.

A experiência foi considerada inspiradora, permitindo perceber a forte presença cultural de Moçambique no Brasil. Apesar das dificuldades de infraestrutura, barreiras linguísticas (entre o sotaque pernambucano, português de Portugal e português moçambicano) e o peso do senso crítico em relação à „branquitude“ da pesquisadora, o projeto se mostrou bonito e necessário. As observações de 50 a 120 crianças sentadas no chão ansiando por aprender ilustraram a natureza primordial dos desafios. Para futuras edições, a pesquisadora ressalta a importância da participação estudantil, da tradução dos materiais para línguas locais como o Emakhuwa, e de um planejamento prévio mais robusto e com recursos.

Autora: Stéphanie Gueiros de Medeiros Lopes (2025)